sábado, 11 de julho de 2009

Um olhar sobre a cidade.




Por Maria Betânia

Naquela tarde olhar pela janela parecia ser a coisa mais apropriada a fazer.
Talvez por ela não quisesse ou não pudesse em casa permanecer, mas talvez por que desejava ir á rua, no entanto o ânimo havia escapado por entre os dedos tal qual líquido efêmero.

Ela estava ali, mas era como se não estivesse.
Pouco sentia, pouco via em seus sentidos entorpecidos...
Então perdeu-se na medíocre paisagem de sua janela.
Nada de novo era possível ver dali, a não ser os velhos vizinhos que caminhavam descomprimissadamente e cumprimentavam-se uns aos outros da mais simplória forma de ser...

Uma filha chamou o pai ao portão este veio em passos cansados.
Um carro de lixo também passou e, pela primeira vez ela pra eles de fato olhou...
Então pensou em quão árduo era tal ofício, de estar á tarde de sábado a recolher lixo produzidos por outros...

O rapaz que cuidadosamente recolhia o lixo da lixeira do vizinho, deixou então de invisível ser. Tomou forma aos seus olhos...
E, então, algo intrigante lhe passou pela cabeça:
Onde estaria a honra daquelas pessoas invisíveis aqueles aos quais as pessoas insistem em não ver?
Pôde perceber que naqueles rostos cansados havia uma certa paz.
A paz de poucos.
A paz dos simples homens que literalmente ganham seu sustento com o suor de seus rostos...

Ela não pode deixar de encantar-se com tal cena e nela divagar...
Por entre Filosofia e ideologias, que pode um homem que possue a liberdade de ter um salário, (ainda que pouco)?
Quanto de liberdade e dignidade pode um homem desses?
Onde esta sua honra e grandeza?
Talvez aqueles homens, simples homens fossem muito mais livres que ela...
Talvez eles pudessem paradoxalmente olha-la com piedade: Pobre menina, banhada e perfumada no parapeito de sua janela e quase escondida em sua esvoaçante cortina...

Ela não pôde conter a emoção de estar talvez pela primeira vez a ver de fato a cidade, ou apenas um fragmento dela.
Quem eram aquelas pessoas?
Como suportavam tão aparente mesquinha vida?
Como pode a vida ser tão paradoxal assim?
Ela permaneceu ali, por um instante enamorada de seus pensamentos.
E, neles perdeu-se em suave poesia.
Pela primeira vez os via, os reconhecia pra muito além de seus penosos ofícios, ou de suas banais vidas.

Ocorreu-lhe ainda um pensamento:
O de discorrer sobre estas pessoas tão simples e ao mesmo tempo grandiosas.
O vizinho voltou com uma jarra de água gelada que gentilmente serviu á filha.
Um carro suntuoso estacionou e dele sairam duas belas mulheres que o fitavam quase que inquisidoramente, a explição pra tais olhares:
Uma era a madrasta da tal garota e a outra, amiga da madrasta...
O vizinho não a recepcionou em casa, a garota parecia lá não ser bem vinda...

Pobre mundo.
Mesquinho mundo.
Quão pequenos e tacanhos somos.
Limitados á nossos conceitos.
Tentando tolamente legitimar nossa estupidez, em cada gesto, em cada palavra.
O vizinho parecia constranger-se ao ser enquadrado por tão gélido olhar.

E, o carro de lixo passou.
Se foram os homens suados e simples.
Nos quais não há dolo.
Nem tolas vaidades.
Os homens que sopram vida á cidade.

A cidade.
A cidade que pela primeira vez recebe o olhar daquela menina.
Pois aquela era apenas e tão somente, um olhar.
Um olhar sobre a cidade.

2 comentários:

Sereníssima! disse...

Muito lindo e sensível o seu texto.
Parabéns. Continue escrevendo e postando aqui (quero mais..rsrsrss)
bjs

Maria Betânia disse...

Uia, Lets...rs
Saudades de vc amiga.
Grata pelo comentário.

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